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Capítulo 1 – A Herdeira do Norte (continuação – ponto de vista de Kátyra)
Despertei com um solavanco, o coração martelando no peito como se tentasse escapar. O quarto estava silencioso, exceto pelo som insistente das janelas batendo com o vento do norte — sempre o mesmo vento. Passei a mão no rosto suado, tentando apagar a floresta em chamas que ainda ardia dentro de mim. Aqueles olhos... ainda estavam comigo. E o nome — Bardaxa — ecoava em minha mente como uma palavra proibida que nunca aprendi, mas que parecia tatuada na alma.
Levantei antes que as criadas viessem me chamar. Vesti o manto azul-escuro bordado com fios de prata do Clã do Ar, presente da minha mãe, e prendi o cabelo com a presilha de cristal lapidado — herança da Casa dos Dragões. Era manhã, mas a luz era pálida e o castelo parecia mais velho do que o habitual. Talvez fosse apenas o peso do sonho.
No salão de mármore do alto da torre sul, encontrei minha avó, como sempre, rodeada de livros e pergaminhos. A pele dela tinha o brilho opaco das pérolas antigas, e os cabelos brancos e longos estavam trançados com pequenas pedras encantadas que pulsavam uma luz tênue. Quando me viu, Moira sorriu de lado, como se já soubesse do que eu vinha falar.
— Tiveste um sonho, não foi? — ela perguntou em grego antigo, como sempre fazia quando o assunto era sério.
Assenti em silêncio.
Ela fez um gesto com os dedos, e as tochas do salão se apagaram. Ficamos só nós duas e a luz do dia filtrada pelas vidraças coloridas.
— A floresta que queima sem fogo... olhos que choram sal... e um nome que jamais devias ouvir — ela murmurou, andando em círculo ao meu redor. — Teu sangue começa a se mover, Kátyra. E com ele, os véus entre os mundos.
Senti um arrepio correr pelas costas. Mas antes que pudesse responder, ela mudou de tom. Um brilho malicioso dançou em seus olhos.
— Mas não foi só isso que me trouxe até aqui hoje.
Ela estendeu a mão, e uma pequena caixa surgiu entre seus dedos. Dentro, um colar de ouro branco com um pingente em forma de serpente enrolada em torno de uma pedra âmbar.
— O que é isso?
— Um presente... do príncipe do Leste.
Meu estômago afundou.
— Erizy... — disse, com a voz falhando.
— A cerimônia do Desabrochar será em três dias. Teu nome será proclamado como herdeira diante dos quatro grandes clãs. E como manda a Tradição dos Antigos, o prometido será apresentado. Erizy vem da Casa de Nymeris, do Clã dos Sheaui.
Fechei os olhos. O Clã dos Sheaui. Serpentes gigantes que viviam sob as águas das ilhas do Leste. Guerreiros temidos. Feiticeiros silenciosos. Diziam que seus olhos podiam envenenar a mente de quem os encarasse por muito tempo.
— Ele é um... desconhecido. — murmurei.
— Todos os destinos o são, até que escolhemos caminhar por eles — respondeu minha avó com firmeza. — Mas Erizy não é um monstro, apesar do que ouvirás. E tu, minha pequena Kátyra, estás destinada a algo que vai além de alianças. Vai além do que eu posso ensinar.
Ela colocou o colar em minhas mãos. A pedra estava fria. Mas vibrou, por um instante, como se tivesse vida própria.
— E se eu não quiser? — perguntei, finalmente.
Moira se aproximou e tocou minha testa com os dedos.
— Então haverá guerra.
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