Cherreads

Chapter 6 - Capítulo 6 – Ecos de Lurean

O Desfiladeiro de Lurean parecia um corte no próprio mundo.

Céu cinzento, ventos sussurrantes, penhascos que mergulhavam em um vazio tão profundo que o som levava segundos para voltar. Era ali que, segundo as últimas palavras de Tahlia, Kael tentaria abrir a Segunda Brecha.

Rayn observava o abismo à sua frente. E não via apenas rochas — via um espelho do que sentia por dentro.

— Você não dormiu — disse Liora, parando ao lado dele.

— Dormir ficou… difícil — respondeu ele, sem tirar os olhos do penhasco.

Ela observou seu rosto por um tempo.

— Vai se culpar pra sempre por ela?

— Se não for por ela… vai ser por alguém depois. — Ele virou o rosto. — E se eu falhar de novo?

Liora ficou em silêncio. Depois, com calma:

— Você vai. E vai seguir mesmo assim. É isso que Guardiões fazem.

Rayn sorriu, amargo.

— Achei que eles não existissem mais.

— Então começa a ser um.

Descer até o fundo do desfiladeiro levou horas. A trilha era estreita, quase oculta por neblina e raízes antigas. Cada passo era como cruzar uma fronteira invisível.

No final, o caminho levou a uma caverna esculpida por mãos humanas — ou algo parecido. Paredes marcadas por símbolos antigos, mais velhos que o idioma de Tahlia.

No centro da sala circular, uma estátua: um Guardião de pedra, com os dois braços erguidos, como se segurasse o céu.

Mas um dos braços estava quebrado.

— Isso é simbólico demais pra ser só ruína — murmurou Liora.

Rayn se aproximou. Havia algo na base da estátua. Um cristal, pulsando em vermelho suave.

Quando tocou, o mundo ao redor sumiu.

De repente, Rayn estava em outro lugar.

Um campo dourado. Céu alaranjado. E diante dele, Kael — mais jovem, sem máscara. Rosto calmo. Tahlia ao seu lado.

Era uma memória.

— Você não entende — dizia Kael à mentora. — O Vazio não é só destruição. É recomeço.

— Você quer apagar tudo o que veio antes — respondeu Tahlia. — Isso não é criar. É negar.

Kael sorriu.

— Talvez o que chamamos de Guardião... precise deixar de existir, pra que algo novo surja.

A cena se desfez. Rayn voltou à caverna, arfando.

— O que foi isso? — Liora correu até ele.

— Uma lembrança. De Kael. Antes da traição.

Mais fundo na caverna, encontraram o que restava de um altar — e um pedestal com inscrições em espiral. Rayn se aproximou. O anel reagiu.

— Isso é um selo. Igual ao que Aedryn criou no fim da Primeira Brecha — disse ele, sem saber de onde vinha o conhecimento.

— E ainda está ativo?

— Só até Kael chegar. — A voz veio do fundo.

Ambos se viraram. Mas não era Kael.

Era uma mulher encapuzada, com o símbolo dos antigos Guardiões bordado no peito.

Ela retirou o capuz. Tinha cabelos curtos, prateados como os de Tahlia — e olhos dourados, como o crepúsculo.

— Meu nome é Saen — disse. — E eu vim impedir que vocês destruam o que resta da Ordem.

— Você é uma Guardiã? — Rayn perguntou, desconfiado.

— Fui. Até decidir que seguir as velhas regras era o caminho mais rápido pra repetirmos o mesmo fim.

Liora puxou a adaga.

— Está do lado de Kael?

— Não. — Saen deu um passo à frente. — Mas também não estou do seu. Ainda não.

Rayn não entendeu.

— Por que está aqui, então?

Ela apontou para o pedestal.

— Porque aquele selo não vai aguentar. E se vocês não souberem o que fazer... o Vazio vai engolir tudo. E dessa vez, não haverá outra chance.

Saen os levou até uma sala secreta, escondida atrás de um espelho quebrado. Dentro, estavam mapas, memórias armazenadas em cristais, e o mais impressionante: uma carta escrita por Tahlia — como se já soubesse o que aconteceria.

Rayn leu em silêncio.

"Se você está lendo isso, Rayn, então falhei. Mas você ainda não.A Segunda Brecha é mais do que uma abertura para o Vazio.É o reflexo do que você escolher ser: ruína ou ponte.A escolha virá. E será sua.Lembre-se: Guardiões não salvam mundos. Eles salvam esperanças."

Rayn fechou os olhos. E decidiu.

— Vamos até a fronteira. Selar o que for preciso. Proteger o que restar.

Saen cruzou os braços.

— Vai precisar de mais do que palavras.

Ele ergueu o anel.

— Então que venha o fogo.

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