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Chapter 73 - Capítulo 73 – Correntes de Névoa e Mentiras Não Ditas

O retorno à vila de Yunlan não foi silencioso.

Embora os galhos continuassem a ranger suavemente e os grilos mantivessem seu coro, dentro da mente de Ryouma, o caos rugia. As palavras da sacerdotisa ecoavam como sinos de tempestade, e cada passo dado de volta à hospedaria parecia uma batida pesada de tambor — como se os céus soubessem que algo no mundo havia sido despertado.

O selo. O espírito corrompido. As três âncoras.

E tudo isso apenas uma camada no emaranhado de tramas que o destino lhe entregara.

Ao alcançar o portão principal da hospedaria, Ryouma já notava o brilho alaranjado do amanhecer se insinuando no horizonte. Mas não era o sol que o aguardava na entrada.

Era alguém que ele não esperava ver tão cedo.

Tang San.

Encostado em uma das colunas de madeira, de braços cruzados, o jovem gênio da Seita Tang o observava em silêncio. Seus olhos não carregavam animosidade, mas havia algo neles que incomodava: um lampejo de suspeita, como se Ryouma fosse um enigma que ele não conseguia resolver — e isso o frustrava.

— Saiu bem cedo — disse Tang San, com a voz calma.

Ryouma não vacilou. — E você acordou ainda mais cedo para me observar? Isso é preocupante.

Tang San sorriu levemente. — Às vezes, a noite revela mais do que o dia. Principalmente em um lugar como esse.

A resposta era ambígua. Tang San não estava ali apenas por cortesia. Ele estava rastreando, vigiando, e testando.

— Acha que vou revelar meus segredos com uma conversa casual? — rebateu Ryouma, avançando em direção à porta.

Tang San não bloqueou sua passagem, mas acompanhou seus passos com o olhar.

— Não espero isso. Mas espíritos raros… sempre atraem olhares. — Ele deixou a frase no ar.

Ryouma parou antes de entrar. Virou-se devagar.

— Você é alguém que entende o peso de manter segredos, não é, Tang San?

Essa frase cortou o ar.

Por um instante, os olhos de Tang San se estreitaram. O nome do Martelo do Céu Claro jamais havia sido mencionado por ele. Nem mesmo para seus companheiros mais próximos. E agora… aquele estranho o encurralava com palavras envoltas em fumaça.

— Todos temos nossos fantasmas — respondeu Tang San. — A diferença é o quanto deixamos que eles guiem nossos passos.

Ambos se entreolharam, como feras que se medem antes da caçada. Então, sem mais palavras, Ryouma entrou na hospedaria, deixando Tang San sozinho sob a luz do sol nascente.

Mais tarde, no salão principal, a atmosfera era pesada.

O Mestre, Yu Xiaogang, convocara uma reunião com os alunos da Escola Nuo, para discutir os planos da viagem até a Floresta Estrela Dou, onde todos fariam sua primeira tentativa de obter o segundo anel espiritual.

A presença de Ryouma ali fora opcional, mas ele fez questão de aparecer. Precisava saber os próximos passos daquele grupo. Precisava estudar seus movimentos.

— …o local designado será o lado oriental da floresta — dizia o Mestre. — Evitem a região central. Há registros de bestas espirituais de mais de 10 mil anos por lá.

Ryouma quase riu. 10 mil anos? Isso era apenas o começo. Ele sabia — por leitura e por lógica — que a verdadeira força estava além do que aqueles jovens conheciam.

Mas algo o surpreendeu.

— Tang San e Ryouma irão juntos — afirmou Yu Xiaogang de repente.

Silêncio.

Ryouma piscou lentamente. Tang San ergueu uma sobrancelha.

— Não era esperado que cada um fosse acompanhado por um instrutor? — questionou Tang San.

— Sim — respondeu o Mestre. — Mas, por uma decisão conjunta com o Diretor Flender, será uma dupla especial. Ryouma demonstrou capacidades de combate e evasão acima da média. E você, Tang San, é o mais estável do grupo. Desejamos entender como suas habilidades interagem.

Era uma desculpa frágil. Mas havia algo mais ali. Um teste, talvez. Ou uma armadilha.

Ryouma apenas assentiu.

— Sem problemas. — Seu tom era neutro.

Tang San também concordou. Mas seus olhos diziam outra coisa. Ele estava curioso. Talvez desconfiado. E, se fosse necessário, preparado.

Dois dias depois, a dupla já atravessava os portões da floresta.

O cheiro úmido da madeira antiga, a névoa que se arrastava rente ao chão, os sons estridentes de aves e bestas ocultas — tudo ali formava um ecossistema hostil, implacável, e incrivelmente vivo.

Ryouma caminhava com os dois espíritos marciais ativos, mas discretos. A raposa negra se mantinha latente em suas costas, como uma sombra em repouso. Já a serpente carmesim espreitava sob sua pele, aquecendo seus músculos, seus reflexos.

Tang San, por sua vez, era quase imperceptível. Seus passos leves não quebravam galhos, e suas armas ocultas estavam escondidas até mesmo da vista espiritual.

— Há algo mais nessa viagem do que apenas anéis — disse Ryouma, de repente, sem olhar para Tang San.

— Está me acusando de algo?

— Não. Só estou deixando claro que entendo quando estou sendo observado.

Tang San parou.

— Você fala como alguém que já esteve neste mundo há muito tempo. Mas suas ações… seus olhos… dizem o contrário.

Ryouma também parou. Encarou-o.

— E você fala como alguém que finge ser humilde… mas guarda o poder de um monstro nas costas.

A tensão era palpável. Mas não houve batalha. Ainda.

Tang San soltou um leve sorriso.

— Estamos nos estudando, Ryouma. Mas saiba disto: não hesitarei, caso você se torne um risco.

Ryouma retribuiu com um sorriso gelado.

— Sentimento mútuo.

Então ambos seguiram.

Ao entardecer, encontraram a primeira besta.

Era uma pantera espiritual, com olhos que brilhavam em verde, garras como espadas e um rugido que ecoava como trovão. Uma besta de 1.700 anos. Perfeita para Tang San.

Mas antes que ele se aproximasse, Ryouma já se movia.

Com a serpente carmesim ativada, seus punhos ganharam intensidade abrasadora. Ele correu entre as árvores como um raio vermelho, desviando da criatura e deixando um rastro de brasas em sua passagem.

Tang San reagiu com surpresa — e um toque de frustração.

— Eu ia—

— Sei — respondeu Ryouma, sem virar. — Só queria testar algo.

Em menos de um minuto, ele desarmou a pantera com uma combinação de chutes e impacto de energia espiritual canalizada. A criatura caiu, mas não estava morta.

Tang San se aproximou e, sem cerimônias, lançou suas agulhas de veneno paralisante nos pontos vitais. Em questão de segundos, o espírito da pantera começou a se dissipar.

— Pegue o anel — disse Ryouma, virando-se.

Tang San hesitou. Depois assentiu.

— Obrigado.

Era um momento de trégua. Mas efêmero.

Porque o solo tremeu.

E, ao longe, um rugido ancestral ecoou pela floresta — um som que fazia a própria alma estremecer.

Ambos se viraram na direção do som.

Algo havia acordado.

E era grande.

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