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Capítulo— O Eco das Cinzas
O amanhecer tingiu o céu de vermelho pálido, como se o próprio firmamento sangrasse em silêncio pela noite passada. As muralhas quebradas do Palácio de Nivélion ainda fumegavam, e o cheiro de cinzas misturava-se à neve recém-caída.
Um brado cortou o ar, vindo dos portões restaurados por feitiçaria:
— Vitória!
Era o grito dos Guardiões, um eco de esperança que subia pelos céus e descia às entranhas da terra. Os grifos voavam em círculos altos, formando espirais de homenagem. Havia corpos, sim — mas havia também sobreviventes. Alianças. Promessas cumpridas.
Kátyra caminhava entre os escombros, envolta por um manto negro e prata. Seu rosto estava calmo, mas seus olhos... seus olhos ardiam com um novo propósito.
— Ele está vivo — disse ela aos pais. — Meu filho. E eu vou trazê-lo de volta.
Cora segurou sua mão, com um leve tremor.
— Sabemos. E estaremos prontos para recebê-lo.
Dimitry assentiu, com o semblante rígido.
— Mas antes… seu avô merece ser honrado.
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O funeral de Adam foi celebrado ao entardecer.
O corpo do velho rei foi envolto em linho branco, entrelaçado com runas de cristal. Ao redor do caixão de pedra, representantes de todos os clãs acenderam tochas silenciosas. Os golens de Adam, agora imóveis, formavam um círculo de guarda eterna.
Cora cantou em grego antigo. As palavras flutuavam, trazendo lágrimas até aos mais endurecidos. Dimitry segurou a coroa dos Ursos nas mãos, mas não a colocou. Ainda não.
No altar, Kátyra se ajoelhou diante do corpo do avô. Sussurrou algo que ninguém ouviu. Algo sobre tempestades. Sobre redenção.
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Mais tarde, Tharion estava sozinho na torre sul, olhando o horizonte. Estava exausto, com o rosto marcado por sangue seco e lembranças mal resolvidas. Quando Kátyra entrou, ele virou o rosto — não por orgulho, mas por medo do que veria nos olhos dela.
— Por que me trouxe aqui? — ele perguntou, seco.
Ela se aproximou, devagar.
— Porque você precisa saber.
Tharion a fitou. Havia perguntas ali, mas ele nunca soube como fazê-las.
— O menino... — começou ele. — Eu não sei o que sinto por ele. Mas… quando o abracei… eu senti algo.
Kátyra respirou fundo.
— Porque ele é seu filho, Tharion.
O mundo parou. Não houve trovão, nem luz. Apenas silêncio.
— Isso é alguma maldição? — ele sussurrou. — Algum truque do sangue sombrio que corre em mim?
— Não — ela respondeu, se ajoelhando ao lado dele. — É esperança. Nascida num momento de dor… mas ainda assim, esperança.
— Por que não me disse?
— Porque eu queria protegê-lo de tudo. Até de você.
Tharion não respondeu. Apenas fechou os olhos e apertou os punhos.
— Eu... vou buscá-lo. Com você.
Ela assentiu.
— Então iremos juntos. Como sempre deveria ter sido.
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Na cripta real, Dimitry se preparava. A coroa repousava diante dele, e um manto ancestral era vestido por seus conselheiros. Ele olhou o reflexo distorcido na taça de prata, como se visse não um rei, mas um presságio.
— Eles acham que vencemos. — murmurou.
Um dos generais se aproximou.
— Vencemos, meu senhor. A escuridão recuou.
Dimitry ergueu os olhos, duros.
— Não. Isso foi só o início. Os Ataxas estavam apenas testando nossas muralhas. O verdadeiro ataque… ainda está por vir.
Ele fechou os olhos por um instante.
E o vento, que soprava pela janela quebrada, parecia carregar consigo um sussurro antigo, de algo que despertava longe dali.
Algo que ainda não tinha nome.
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