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Capítulo – O Peso do Sangue
O Grande Conselho estava reunido no Salão dos Ursos. As altas colunas de pedra, adornadas com bandeiras das casas ancestrais, lançavam sombras austeras sobre os rostos tensos dos presentes. O ar pesava como se o próprio tempo estivesse prendendo a respiração.
As portas se abriram com um estrondo.
Dimitry entrou.
Vestia o manto do rei, negro como a noite do Norte, com a insígnia dos Ursos bordada em prata no peito. A coroa ancestral repousava sobre sua cabeça como se sempre lhe pertencesse. Ao seu lado, a Rainha Moira e a consorte Cora caminhavam em silêncio, seus olhares frios como o mármore do salão.
Dimitry parou diante da mesa circular. Seu olhar percorreu cada rosto ali reunido — os mesmos que outrora o pressionaram a forçar sua filha a um casamento indesejado.
— "Reúnam-se, pois hoje há mais que decisões a serem tomadas. Há contas a serem prestadas."
Um murmúrio inquieto se espalhou.
— "Vocês sabiam. Sabiam o que Erizy era."
O Conselheiro Mardros, do Clã do Gavião, ergueu-se, trêmulo:
— "Majestade, não havia provas. Erizy era nobre, de linhagem reconhecida... o conselho apenas buscava segurança para o reino."
Dimitry bateu o bastão de comando no chão com força. O som ecoou como um trovão.
— "Mentira. Vocês não buscavam segurança. Buscavam controle. Queriam dobrar minha filha. E ofereceram-na a um Ataxa. Um sombrio. Um monstro."
Silêncio.
— "Segundo os Códigos dos Guardiões, é punível com a morte o ato de unir uma princesa guardiã a um Ataxa. Vocês conspiraram contra o sangue real. Isto é traição."
Alguns membros do conselho empalideceram. Outros desviaram o olhar.
— "Anotem os nomes dos que sabiam. Os que pressionaram. Os que silenciaram. Serão julgados."
Um frio percorreu o salão.
— "Este trono não será mais manchado pela omissão. Minha filha não será mais tratada como moeda. E quanto a Tharion..."
Tharion, que assistia da lateral do salão, ergueu o olhar ao ouvir seu nome.
— "Você tem minha gratidão por salvá-la. Mas se deseja o coração dela... e um lugar nesta casa... terá de conquistar com honra. Pela antiga via. Pelo Protocolo de União. E até que isso seja cumprido, está proibido de dividir o leito com a princesa. Nenhuma exceção."
Kátyra se enrijeceu. Seus olhos encontraram os de Tharion. Ele assentiu, mesmo que com o coração ferido.
— "Sim, Majestade." — respondeu o guerreiro, com voz firme, mas os olhos marejados.
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Mais tarde, nos jardins nevados do palácio, Kátyra embalava seu filho junto ao lago congelado. O céu lilás do crepúsculo refletia nas águas, como se a noite hesitasse em cair.
— "Você terá um nome forte, pequeno." — sussurrou ela, tocando a testa do menino com carinho. — "Titos. Como o primeiro dragão das histórias de minha avó. Que cruzou os céus do mundo antigo e não temeu rei algum."
Tharion, sentado sob uma árvore próxima, sorriu discretamente. Em suas mãos, uma pequena escultura de madeira — um urso alado — que havia talhado para o menino.
Titos riu ao vê-la, batendo palmas com as mãozinhas.
Então, em meio à alegria inocente, o menino olhou para a mãe:
— "Mamãe... quando o papai Erizy volta pra me ver?"
Silêncio.
A expressão de Tharion endureceu. Kátyra engoliu em seco. A pergunta cortou o ar como uma lâmina.
Tharion levantou-se sem dizer nada. Caminhou alguns passos, afastando-se com o rosto voltado para o chão. Kátyra o seguiu pouco depois, encontrando-o diante da árvore.
Ele falou antes que ela pudesse dizer algo:
— "Não é culpa dele. É o que ensinaram. O nome que puseram na boca dele."
— "Tharion..."
Ele se virou, com um sorriso quebrado.
— "Ele tem seu sangue. Seus olhos. Sua força. Mas ainda pergunta por aquele desgraçado... que nunca o quis."
— "Ele é só uma criança." — disse Kátyra, tocando o braço dele.
— "Eu sei. Mas ouvir isso... me fez perceber algo."
Ela o encarou, aflita.
— "Ele deixou uma marca em você, Kátyra. Sem pedir permissão. E eu... eu passo cada dia tentando provar que sou digno até do seu silêncio."
Ela o abraçou. Forte. Quente. Doloroso.
— "Não fuja de mim." — disse ela. — "Eu não me esconderei mais atrás da coroa. Nem de você. Nem dele."
E assim, sob o céu do Norte, o peso do sangue começava a se transformar. Em dor, em verdade, em esperança.
---Perfeito. Vamos encaixar isso como a segunda metade do Capítulo XIX, mantendo a carga emocional alta, o peso político e preparando o terreno para a nova ameaça. Aqui está:
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A Carta Que Nunca Seria Entregue
Mais tarde, no silêncio do quarto que lhe fora reservado nos salões do Norte, Tharion sentou-se à escrivaninha, com a luz bruxuleante de uma vela iluminando seu rosto cansado. Pegou um pergaminho, molhou a pena em tinta escura e escreveu.
"Kátyra,
Se eu fosse um homem de palavras, talvez já tivesse dito tudo.
Mas me ensinei a calar. Me ensinaram a guerrear. Não a amar.
*Hoje ouvi seu filho chamar outro de pai.
Não o culpo. Mas me senti tão ausente quanto um fantasma.
E ainda assim, se ele um dia me chamar, eu vou estar lá.
Por ele. Por você.
Mesmo que do outro lado de tudo.
Com a dor de quem ama calado,
Tharion."
Ele dobrou o papel, mas não o selou. Olhou-o por longos segundos, depois o queimou sobre a vela, vendo as palavras se desfazerem em cinzas.
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Fogo e Justiça
Na manhã seguinte, o povo do Norte se reuniu diante da praça central do palácio, onde fora erguido um patíbulo de pedra. Sobre ele, estacas negras e a bandeira dos Ursos erguida ao topo.
Dimitry surgiu com sua armadura de guerra, ladeado por generais e mestres das castas. Os nomes dos culpados haviam sido revelados — e alguns deles eram figuras outrora veneradas. Membros de casas antigas, chefes de clãs que traíram o sangue real.
O primeiro foi trazido à frente. O Conselheiro Mardros.
— "Por traição ao Reino do Norte, por quebrar os códigos dos Guardiões e entregar a princesa aos sombrios... a pena é a morte."
Sem hesitar, Dimitry girou a espada ancestral dos Ursos sobre o pescoço do traidor. O silêncio foi absoluto.
E então ele falou, para todos ouvirem:
— "Que os inimigos do Norte saibam: não há mais espaço para sombras entre nós. Só há lugar para aqueles que ousam se manter de pé diante da verdade."
Uma pausa.
— "O tempo dos reis brandos acabou. E o rugido dos Ursos voltou a ecoar."
O povo aclamou com força. Mas entre os nobres, muitos tremeram. Medo e admiração. A presença de um verdadeiro rei.
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Mãe e Filha
No fim do dia, Kátyra caminhava pelos salões até os aposentos de sua mãe. Encontrou Cora à janela, penteando os longos cabelos prateados. A lua refletia em sua pele com suavidade quase etérea.
— "Preciso de você." — disse Kátyra, baixinho.
Cora não se virou, mas sorriu.
— "E eu estive esperando que dissesse isso."
Kátyra sentou-se ao seu lado, cabisbaixa.
— "Por que o amor dói tanto, mãe? Por que mesmo quando escolhemos certo, parece que perdemos alguma coisa?"
Cora pousou a mão sobre a dela.
— "Porque amor de verdade nunca é uma vitória limpa, filha. É um campo de batalha. E quem ama com tudo o que tem... sangra um pouco no processo."
Silêncio.
— "Mas se ainda estás disposta a lutar, então há esperança."
— "E se ele desistir de mim?"
Cora sorriu.
— "Então você o traz de volta. Como fazemos com os que se perdem no céu... guiando-os com luz."
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Sinais nas Sombras
Naquela mesma noite, no alto das montanhas geladas, patrulheiros do Clã do Lobo retornaram com relatos perturbadores.
— "Majestade... encontramos trilhas na neve. Rastros que desaparecem no ar, pegadas de garras negras... e um símbolo desenhado com sangue seco sobre a rocha."
Dimitry pegou o desenho. Seus olhos se apertaram.
Era o selo dos Ataxas. Uma serpente alada em forma de espiral, com olhos como buracos negros.
— "Eles estão se movendo novamente." — murmurou.
Na mesma hora, torres de vigia foram reforçadas. Alarmes mágicos ativados. Batedores enviados aos confins das fronteiras.
A calma depois da tempestade não passara de um sussurro ilusório.
A verdadeira guerra se aproximava.
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